O jornalista Renato Igor publicou no Portal do NSC Total, em 10/01/2022, matéria referente a alterações propostas no novo Plano Diretor de Florianópolis, cuja análise foi feita pelo Prof. de Urbanismo da UDESC, Gustavo de Andrade, e que encontra-se disponível no link
https://www.nsctotal.com.br/colunistas/renato-igor/bairro-de-florianopolis-sobe-de-2-para-16-andares-com-mudancas-no-plano?amp=1
Segundo o professor, o bairro de Coqueiros poderia receber edificações de até 16 pavimentos (com a revogação do parágrafo único do artigo 129 do Plano Diretor atual, que condiciona o adensamento da região à construção de diversas infraestruturas no bairro, que deixariam de ser obrigatórias). Já nos bairros de Santa Mônica e Jardim Anchieta, o gabarito poderia chegar a 8 pavimentos, a partir da alteração de parâmetros de zoneamento do Plano Diretor.
Na mesma matéria, foi informado que o Campeche seria também bastante impactado, sobretudo por conta de alterações na “planície entremares”, área suscetível a inundações. O Bairro de Jurerê Internacional também poderia receber edifícios multifamiliares de vários andares em regiões onde, hoje, são residências unifamiliares. Áreas classificadas como AUE (Área de Ocupação Específica), tanto no Campeche como em Jurerê, segundo a proposta, receberiam um adensamento 10 vezes maior aos permitidos atualmente.
Gostaríamos de manifestar, a partir dessas informações, nossa total perplexidade, preocupação e decepção, em relação a ações que de acordo com a teoria contemporânea da vida urbana, caminham na contramão de todos os esforços empreendidos na busca de cidades mais sustentáveis e habitáveis.
Em resumo: estas modificações são extremamente danosas aos moradores atuais, não pelo gabarito muito elevado, mas pelo critério funcional em que se baseiam. A cidade parece poder funcionar assim, mas não se pode esquecer que é feita para as pessoas e, por isso, o critério de gabaritos deve se adequar ao comportamental, ou seja, que atenda às pessoas.
As edificações, portanto, devem ser compatíveis aos interesses das pessoas. Logo, ao lado de uma casa de dois pavimentos é possível conceber um prédio de três pavimentos, desde que as atividades nestes três pavimentos o sejam compatíveis. Deve-se destacar a contribuição do arquiteto e urbanista norte-americano Andres Duany, que afirmou que a filosofia funcional não pode se sobrepor à comportamental, uma vez que todas as novas edificações devem trazer benefícios de proximidade ou vizinhança de modo promover a redução drástica da necessidade de se mover.
Nesse aspecto preocupa-nos, primeiramente, a ausência de um plano vocacional e integrado para a cidade. O viés turístico parece inexoravelmente indispensável e, nesse aspecto, a cidade conta com suas belezas naturais, cuja urbanização proposta pode comprometer de maneira irreparável as poucas áreas de preservação que ainda são mantidas e que são fundamentais para todo o equilíbrio dos ecossistemas que, ao final, são o grande diferencial da cidade, com suas praias e paisagens naturais.
Sem esse plano, parece provável e factível qualquer ação. Por exemplo, considerando-se o turismo como uma das vocações da cidade, ações do poder público deveriam prever um excelente sistema de captação e tratamento de esgotos, a manutenção das áreas de preservação permanentes como locais importantes para o equilíbrio das praias e lagoas, uma vez que, sendo uma ilha, as praias são o grande atrativo turístico.
Gostaríamos, também, de alertar que alterações em gabaritos e adensamento de regiões devem ser pensados dentro desse projeto de futuro para a cidade e não apenas em face de sua previsão legal. A legislação, nesse contexto, deve garantir que esse projeto futuro seja factível, permitindo e disciplinando a ocupação do território.
Além disso, há muitas e importantes implicações que derivam da decisão de se aumentar o gabarito. A previsão de áreas públicas para recreação, aumento da capacidade de transporte e avaliações prévias de efeitos que possam ser, minimamente, simulados a partir da tecnologia disponível hoje, são algumas delas.
Concentramo-nos, aqui, no transporte, que é nosso campo de trabalho principal. Não há a necessidade de grandes incursões teóricas para perceber a dificuldade de circulação na cidade de Florianópolis. Hoje em dia, com o plano atual, há um esforço muito grande sendo feito para permitir o mínimo de melhoria na mobilidade da cidade.
A densidade não é o problema e sim como é efetivada, ou seja, com viés local, de modo a dar qualidade de vida aos seus moradores. A densidade não é o problema, pois a cidade vive no chão e não nas alturas.
Qualquer alteração de gabaritos, que aumentará a densidade, irá impactar esse cenário e, possivelmente, ações previstas não serão mais adequadas. Aliados a isso, há uma incapacidade de criar espaços de circulação exclusivos para o transporte público, o qual se constituiu em marca negativa de nossa cidade em relação a outras capitais brasileiras e que reduz sensivelmente a atratividade do sistema de transporte público.
Queremos alertar que não é mais possível tomar decisões sem prever suas implicações a partir de uma perspectiva técnica. É importante termos claro o que se pretende para a cidade no futuro, para podermos planejá-lo com muito cuidado e responsabilidade. Estamos vivendo tempos em que se forma um consenso em torno da preservação do meio ambiente. Esse é o primeiro ponto em qualquer projeto de futuro, até porque sem água, ar puro e ecossistemas preservados reduz-se a possibilidade de habitar a Ilha e a região do entorno.
Nesse sentido, não entendemos como positivas as proposições apresentadas ao novo Plano Diretor e outros dispositivos presentes no Plano que permitam o aumento do gabarito em bairros sem uma prévia simulação do impacto dessas ações no deslocamento urbano e daqueles que permitem a ocupação urbana de AUEs.
Florianópolis, 11 de janeiro de 2022